DESJUDICIALIZAÇÃO DA EXECUÇÃO CÍVEL AOS TABELIONATOS DE PROTESTOS

O Projeto de Lei nº 4.188/2021, de autoria do Poder Executivo, conhecido como “PL das Garantias”, advindo da Câmara dos Deputados e que dispõe sobre o serviço de gestão especializada de garantias, o aprimoramento das regras de garantias, o procedimento de busca e apreensão extrajudicial de bens móveis em caso de inadimplemento de contrato de alienação fiduciária, a possibilidade de oneração e de uso de direitos minerários como garantia, o resgate antecipado de Letra Financeira, a transferência de recursos no âmbito do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), a exclusão do monopólio da Caixa Econômica Federal em relação aos penhores civis, a alteração da alíquota do imposto de renda sobre rendimentos de investidores residentes ou domiciliados no exterior produzidos por determinados títulos e valores mobiliários, a alteração da composição do Conselho Nacional de Seguros Privados.

A Câmara dos Deputados ofereceu substitutivo ao projeto que foi à análise do Senado Federal e promoveu diversas alterações voltadas a aprimorar o regime jurídico de garantias de crédito.

Para surpresa das entidades de classe representativas dos Oficiais e Oficialas de Justiça do Brasil, o relator da matéria na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal – CAE, Senador Weverton Rocha Marques de Sousa (PDT-MA), acolheu em seu relatório dezenas de emendas e incluiu um capítulo relativo a desjudicialização da execução de título executivo judicial e extrajudicial.

Caso seja aprovado em plenário o PL 4188/2021, os processos de execução de títulos judiciais e extrajudiciais poderão ser encaminhados aos Tabelionatos de Protestos, denominados “agentes de execução extrajudicial civil”. O projeto também prevê a leiloaria para os tabeliães de notas e os tabeliães de protestos e os Detrans ficarão responsáveis pela execução extrajudicial de veículos. Já o tabelião de notas poderá certificar a ocorrência de condições de negócios jurídicos, ser mediador e conciliador judicial e extrajudicial e árbitro, nos termos da Lei 9.307/96.

O projeto de lei 4188/2021 prevê que ao tabelião de protesto compete, exclusivamente, além de suas atribuições regulamentares, o das funções de agente de execução extrajudicial, examinar o requerimento e os requisitos do título executivo, bem como eventual ocorrência de prescrição e decadência, efetuar a citação do executado para pagamento do título, com os acréscimos legais, realizar a penhora e a avaliação dos bens, observado o disposto no art. 805, Lei nº 13.105/2015, CPC, realizar atos de expropriação, repassar o pagamento ao exequente, extinguir a execução, suspender a execução diante da ausência de bens suficientes para a satisfação do crédito e consultar o juízo competente para sanar dúvida relevante. A realização e a comunicação de atos executivos serão de responsabilidade dos agentes de execução extrajudicial, que se submeterão às regras de cooperação institucional entre os tabelionatos de protesto. Os atos praticados pelos agentes de execução observarão as regras do processo eletrônico.

Também causa estranheza o fato dessas disposições acerca da desjudicialização do processo de execução cível constarem do projeto de lei 6204/2019, de autoria da Senadora Soraya Thronicke (União Brasil-MS), que tramita naquela Casa Legislativa.

Entidades representativas da magistratura estadual e federal emitiram notas técnicas contrárias a desjudicialização do processo de execução cível constante do projeto de lei 4188/2021, como a AMB – Associação dos Magistrados Brasileiros, elencando que os atos expropriatórios estão sujeitos à reserva de jurisdição e a necessidade de serem respeitados os princípios fundamentais da jurisdição, quais sejam: os princípios do juiz natural, da indeclinabilidade e da indelegabilidade; o princípio da inafastabilidade jurisdicional e a manutenção das competências constitucionalmente atribuídas ao Poder Judiciário.

A ANAMATRA – Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho, evoca a clareza da Constituição federal de 1988 quando em seu artigo 5º, XXXV, dispõe que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito, completando que a execução é prerrogativa e dever do Estado, sendo atividade indelegável nos termos propostos. Continua dizendo que a pretensão da desjudicialização da execução civil não traz em seu bojo nenhuma alternativa para superar os verdadeiros obstáculos para uma rápida conclusão dos procedimentos executórios, quais sejam, a insuficiência econômico-financeira do devedor, a inexistência de bens que garantam a dívida, as muitas possibilidades de recursos processuais, e por que não dizer, a cultura de resistência ao cumprimento de comandos sentenciais já transitados em julgado, o que se revela pela provocação de incidentes muitas vezes infundados.

A AJURIS – A Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, emitiu parecer acentuando que é altamente temerário e preocupante a permissão de amplo acesso dos tabelionatos a dados sigilosos das partes, a proposta atribui competência para constrição ao agente de execução, alcançando-lhe poderes inclusive para bloqueio de valores em contas bancárias, autorizando o acesso aos sistemas de informações sigilosas restritas ao Poder Judiciário, como Sisbajud, Renajud, Infojud.

O CNJ – Conselho Nacional de Justiça -, também emitiu nota técnica contrária a desjudicialização da execução civil que, a toda evidência, pretende transferir para os tabeliães de protesto apenas a parte fácil da execução, que são atos notificatórios, persecutórios e de consulta a sistemas eletrônicos de busca e apreensão patrimonial, relegando tudo que de complexo há na execução para o Poder Judiciário. Ou seja, visam apenas onde podem ganhar ainda mais dinheiro, mas com mínimo trabalho, enriquecendo ainda mais os tabeliães que ano após ano batem recordes de arrecadação. A execução cívil transcorre com rapidez na Justiça brasileira quando o devedor é solvente e possui bens suficientes para a garantia da dívida. O que demora para tramitar são as execuções que apresentam dificuldades de localização de bens, os embaraços jurídicos daqueles bens encontrados, a inexistência de bens, as defesas que podem ser apresentadas e, nesse sentido, o projeto não avança em nenhum momento.

Por fim, o IPA – Instituto Pensar Agropecuária -, emitiu parecer contrário a desjudicialização da execução civil, concluindo que, em que pese o projeto pretender solucionar problemática envolvendo a efetividade das execuções judiciais, acaba por impor cenário de insegurança e fragilização de direitos. Não há, por outro lado, atingimento do fim pretendido, já que diversos incidentes têm o condão de causar tumulto processual e ainda mais demora.

O referido projeto de lei estava na pauta da CAE do Senado Federal da última terça-feira (27), e o parecer do relator só não foi à votação graças à atuação da Afojebra – Associação Federal dos Oficiais de Justiça Estaduais do Brasil – e demais entidades representativas da categoria em nível nacional, que estavam em Brasília acompanhando a tramitação da matéria e articularam um pedido de vistas coletivo dos demais senadores para averiguação.

Desta forma, ganhamos um tempo precioso até a próxima sessão da Comissão de Assuntos Econômicos para trabalhar junto aos demais senadores integrantes daquele colegiado e convencê-los a rejeitarem as propostas de desjudicialização do processo de execução cível.

Conforme verifica-se pelas notas técnicas publicadas, há problemas de ordem jurídica que não podem ser tangenciados, além dessa proposição tornar o processo de execução cível mais oneroso para as partes, afastando o judiciário da população que mais precisa dos serviços públicos, o que é inaceitável.

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