HISTÓRIAS DE OFICIALAS DE JUSTIÇA – Gina Maria de Souza dos Santos
Feminicídio, até quando?
Oficiala de Justiça – Comarca de Pelotas
É triste, mas elas voltam aos seus algozes, cinquenta por cento das vítimas de violência doméstica, voltam. É uma porcentagem significativa, é assassinada, muitas vezes, na frente dos filhos. Teve um caso em São Leopoldo, que me marcou muito. Foi o caso de uma frentista. Trabalhava num posto de gasolina na esquina do fórum. Eu e minha colega Flávia, costumávamos ir a esse posto, no final de tarde, duas vezes na semana, tomar um café na conveniência e falar sobre os mandados do dia.
Ela trabalhava lá, jovem, bonita, alegre, sempre muito educada e querida. Um dia, num plantão, fui cumprir um mandado de afastamento por violência doméstica. Eu nem era a Oficiala plantonista, fui acompanhar e prestar apoio ao colega de plantão. Em São Leopoldo, fazíamos muito isso. Nunca deixávamos um colega cumprir esses mandados sozinho. Chegando lá, para minha surpresa, a vítima, era ela. Estava visivelmente machucada e chorando. Ele, também jovem, era cobrador de ônibus. Era uma pessoa violenta e parecia extremamente descontrolado e ciumento. Após cumprida a medida, acompanhados da Brigada Militar, a orientamos e ouvimos com atenção a história da jovem, que já vinha sendo vítima de inúmeras violências verbais e físicas, mas por esperança, de que ele, ainda tão jovem, pudesse mudar, outras vezes por medo, outras por falta de apoio, continuava com o relacionamento.
Passou-se um tempo, e continuávamos a frequentar o posto, para o nosso café pontual. Ela continuava trabalhando, jovem, bonita, sempre sorrindo e atenciosa. Parecia estar bem. Passamos duas semanas sem ir ao posto, pois muito serviço, chuva, frio. Uma tarde de quinta-feira, mais amena e ensolarada, retornamos ao posto para o nosso café e não a encontramos. Perguntamos para outra frentista, onde ela estava. Foi quando, ela com lágrimas nos olhos, nos contou que ela foi morta pelo companheiro, na frente do filho, a facadas, por ciúme. Contou que ela havia voltado para ele, pois decidiu dar mais uma chance, a última chance, segundo ela, sem saber, que seria realmente a “última chance “.
Disse que nos primeiros dias, estava tudo bem, mas logo em seguida, começaram novamente as crises de ciúmes por parte dele. Ela andava preocupada e com medo e estava tentando achar uma maneira definitiva de acabar com aquela situação. Segundo a informante, naquela tarde, ele ficou cismado por uma ligação que ela recebeu do serviço, e começou a discussão, ainda quando ela estava ao telefone, o que puderam escutar, antes de ela desligar. E daquela vez, a discussão acabou em morte. Mais uma morte, mais uma mulher, mais uma vítima, mais uma vida perdida por conta do machismo, da intolerância, da desumanidade.
Ele foi preso, depois de um tempo, seguirá sua vida. Ela, tão jovem, tão cheia de vida, nunca mais vai sorrir nem para nós e nem para ninguém. Nunca mais vai pegar seu filho no colo, nunca mais vai retornar ao posto e a vida. Confesso que chorei ao lembrar dessa moça…
E assim como essa, há inúmeras histórias de violência doméstica que acabam em morte. Isso não começou hoje e não sabemos quando terá fim. São inúmeras vidas perdidas. Com o mandado na mão, fizemos a nossa parte. Mas e depois? Depois há tanto chão pela frente. Nem sempre, elas conseguem ir em frente. Por medo, ou esperança num recomeço, ou por falta de apoio. Sei lá. São inúmeros motivos. É triste. É revoltante. Até quando, o machismo vai predominar? Até quando vão achar que são donos? Boa pergunta. Talvez isso mude um dia, mas até lá, estaremos cumprindo a ordem judicial e tirando eles de casa, na tentativa de salvar outras mulheres.
Esse texto faz parte da campanha da ABOJERIS “Histórias de Oficialas de Justiça”. Para contar sua história e conhecer todas as demais, clique em no link abaixo. Compartilhe essa ideia e envie sua história!