HISTÓRIAS DE OFICIALAS DE JUSTIÇA – Madu (Maria Duarte de Oliveira)

Ele fica

Aposentada – Comarca de Porto Alegre

Setembro de 2010.

Plantão calmo. Daqueles que dá para atender os avisos com tranquilidade, de colocar as certidões em dia, de tomar um café e de prosear com os colegas. Até que, por volta de 15h, recebi uma BOMBA. Um mandado que já havia sido encaminhado a dois Oficiais de Justiça plantonistas, os quais, acertadamente, devolveram-no por falta de oferecimento dos meios necessários.

Mas as leis que regem o universo decidiram que EUZINHA seria a escolhida para efetivar a medida. E o famigerado mandado chegou às minhas mãos com autorização para solicitar apoio policial, com todos os meios à disposição, ordem de arrombamento, de prisão em caso de resistência e depósito judicial em alerta. É a vida! Pois que “venha o touro em forma de bife” (essa era a minha máxima quando Oficiala. E continua sendo).

Eu sei que vocês estão curiosos, mas, antes de iniciar a narrativa, quero manifestar o meu respeito às religiões de matriz africana. Não há, nessa história, a intenção de escárnio e de julgamentos depreciativos.

Vamos lá! Um centro de candomblé, instalado em uma via movimentada da comarca, era alvo de muitas denúncias à Prefeitura, Brigada Militar, Polícia Civil e Ministério Público, por conta de excessivo e constante barulho de atabaques, gritarias e matança de bichos, cujas vísceras e sangue eram espalhados no meio da via. As várias notificações ao responsável pelo local (pai de santo) eram ignoradas e, em perversa retaliação, aí é que a barulheira e matança seguiam com mais força.

E veio a ordem judicial determinada em Ação Civil Pública, ajuizada pelo MP:  FECHAR, IMEDIATAMENTE, O CENTRO, RETIRAR TODAS AS IMAGENS E ANIMAIS DO LOCAL, ENCAMINHANDO-OS AO DEPÓSITO JUDICIAL. O Município, através de pessoa designada para tanto, acompanhou essa Oficiala, titular do mandado (com o apoio de dois OJs, grandes colegas e amigos). O transporte oferecido foi uma kombi caindo aos pedaços e três servidores municipais já velhotes.

No local, o pai de santo estava “putaço”. Mas pensem em “putaço”! Quis impedir, fazendo ameaças do tipo maldições, pragas, etc. A Kombi foi colocada na garagem do imóvel. O meu colega sentou-se, puxou uma mesa e anotava o nome e o estado de cada imagem que eu e a colega retirávamos dos armários.

Houve várias partes cômicas. Um dos ajudantes da prefeitura era católico e fazia o sinal da cruz de segundo em segundo. O outro era evangélico e estava A-PA-VO-RA-DO. O terceiro era umbandista e entrava de costas na terreira.

Os ajudantes levavam os objetos mais pesados até a mesa. E vá ditar os nomes dos santos para relacioná-los, e, posteriormente, colocar os dados no auto de depósito e na certidão circunstanciada. O pai de santo, de repente, olhou pra mim, riu com sarcasmo, apontou para uma enorme casa vermelha em um canto do espaço e abriu-a. Eu visualizo, então, uma enorme escultura de diabo, com os olhos faiscando. Umas guampas saltavam da cabeça. Olha! O bicho era feio!

-Vai levar esse também? Com a casa? Perguntou pra mim. -ELE FICA! Não cabe na kombi. Eu, hein?

Em uma estante ficavam os índios. Antes de um dos velhotes tirá-los do local, o “pai” disse: – Quem mexer aí fica brocha. Eu tive que tirar os índios, não sem antes dizer: – mas que bando de frouxos! Ainda ironizei com o meu colega, que não era mais guri: -Vai lá! Mostra a tua coragem! Não foi também. Eu e colega ríamos muito.

O “pai” deu uma sumida do local, voltou e disse que fez um trabalhinho na kombi e todos iriam morrer. Falou que uns velhos da rua morreram porque se meteram com quem não deviam. Fiquei sabendo depois, que os idosos em questão já estavam na capa da gaita, no bico do corvo. Morreram de velhice.

O homem não parava com as ameaças. Olhou bem pra mim e disse que eu não duraria 01 mês porque a culpa era toda minha. -Ué! Mas eu não vou morrer hoje? -Tu vai sofrer mais 01 mês.

Buenas! Saímos do local, eu e os colegas em um carro e o pessoal da prefeitura na kombi, rumo ao depósito judicial. No meio do caminho a kombi fez um barulhão, engasgou e quase “morreu”. Parou na via e nós passamos ao lado. Eu botei a cara na janela e gritei: – Bom esse “pai”, hein? -Nada! Disse o motorista. Essa carcaça tá se entregando. Mas vai funcionar.

E lá fomos nós para o depósito. Mandado cumprido com êxito. Ah! Não encontramos nenhum animal no imóvel. Passados uns dois meses, eu recebo um mandado para intimar o fulano, pai de santo. Ele me cumprimenta amistosamente e eu não me seguro: – Sobrevivi ao teu vaticínio. Era pra durar 01 mês e passaram-se 02. Pediu desculpas. Referiu que estava nervoso. – Tranquilo! Vida que segue! Disse pra ele.

Eu e outra Oficiala aconselhamos o nosso querido colega, que colocou a mão nos índios quando relacionava as imagens, a fazer um estoque de Viagra. Vai que…

E, assim, encerro a minha participação neste projeto maravilhoso da Abojeris: Histórias de Oficialas de Justiça.


Esse texto faz parte da campanha da ABOJERIS “Histórias de Oficialas de Justiça”. Para contar sua história e conhecer todas as demais, clique em no link abaixo. Compartilhe essa ideia e envie sua história!

HISTÓRIAS DE OFICIALAS DE JUSTIÇA

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