QUE JUSTIÇA É ESSA?

Recentemente, foi publicada a Ordem de Serviço n. 001/2021, da Corregedoria Geral da Justiça, dispondo sobre o uso de vestimentas nas dependências do Poder Judiciário do Estado do Rio Grande do Sul.
 
As regras dispostas na referida Ordem objetivam garantir que usuários/as, servidores/as, estagiários/as e magistrados/as vistam-se “adequadamente”, observando “o decoro, o respeito e a austeridade do Poder Judiciário Estadual”. Em síntese, não poderão ingressar nos fóruns pessoas trajando bermudas, shorts, minissaias, camisetas masculinas sem manga, miniblusas, roupas de banho e de ginástica, chinelos, bonés, dentre outros.
 
A edição desse regramento leva à reflexão sobre o distanciamento do Poder Judiciário da realidade social e econômica brasileira. Em um país marcado historicamente por profundas desigualdades – sétimo país mais desigual do mundo –, embora ocupe a 9ª posição entre as maiores economias mundiais, as condições concretas de vida nem sempre permitem que os sujeitos trajam-se de acordo com o que a instituição determina. Ou seja, a população que atendemos nos fóruns, majoritariamente oriunda das camadas populares de baixa renda, veste-se conforme as possibilidades que restam a quase dois milhões de famílias, que foram à extrema pobreza no governo Bolsonaro.
 
O distanciamento do Judiciário, da realidade, tem sido ressaltado por Dallari (2007), “o Judiciário envelheceu”, permanecendo preso a tradições que “não passam de sinais de velhice” (p. 8). São muitas as reformas que se mostram necessárias à instituição, para além da melhoria das condições materiais de trabalho e valorização dos seus trabalhadores/as. A “atualização da mentalidade” (DALLARI, 2007) também desponta como necessária, para que a instituição possa diminuir o fosso que a separa da população atendida, contemplando as reais necessidades da sociedade brasileira.
 
Importante salientar que a Ordem de Serviço n. 001/2021 evoca o “respeito” quando apresenta seus objetivos. Trata-se de um valor que pouco tem a ver com formalismos e posicionamentos anacrônicos, vazios de sentido.
 
Acredita-se que o “respeito” almejado pelo Judiciário gaúcho deva ser perseguido com a valorização dos/as trabalhadores/as – sem plano de carreira e com os salários congelados há sete anos -, e com a materialização de ações que coloquem a instituição, verdadeiramente, a serviço do povo. Em contato direto com a realidade social, marcada por profundas desigualdades, o Judiciário tem a possibilidade de contribuir para a garantia de direitos, exercendo o seu papel político de realização da Justiça.
 
Referência: DALLARI, Dalmo de Abreu. O Poder dos Juízes. São Paulo: Saraiva, 2007. 3 ed.
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