HISTÓRIAS DE OFICIALAS DE JUSTIÇA – Tânia Maggi

Um colchão para um chão úmido e frio

Oficiala de Justiça – Comarca de Taquara

Certa estava minha dinda, quando dizia que eu tinha que contar minhas diligências num diário. São tantas vivências distintas, que fica difícil escolher uma. Nosso emocional é literalmente testado no dia a dia de trabalho: medo, insegurança, aventura, tristeza, alegria, “pagação de mico”…

Tudo isso pode ocorrer num único dia nas ruas. Haja equilíbrio interior para suportar a carga e permanecermos firmes no cumprimento do dever. Quantas vezes tivemos que tirar o carro ou o filho de alguém, que nos contou a sua tragédia particular? Com nó na garganta, inúmeras vezes sufocamos nossos sentimentos, porque nosso papel é fazer cumprir a ordem, ignorando choros, protestos e apelos que possam surgir.

E nossa trajetória, normalmente inicia longe de nossa querência, de nossa família e amigos. A minha, há mais de 12 anos, foi literalmente sozinha, muitos quilômetros distantes. Iniciei minha vida de Oficiala de Justiça em Santiago. E lá, com meu “celtinha 1.0”, sem ar condicionado, num calorão de 40 graus, iniciou minha coletânea imensa de diligências. Colegas incríveis me acolheram, dividiram experiências comigo, e fui colecionando modus operandi. Até hoje utilizo alguns.

E dentre todas as situações vividas, escolho uma prisão civil, realizada na primeira Comarca, para relatar. Com o mandado na mão, compareci umas três ou mais vezes na casa do réu, mas nunca o encontrava. Certa vez, em plantão no fórum, ele se apresenta: – A Sra. é a Oficiala Tânia? Sim. – Eu sou Fulano e estou me apresentando para ir para o presídio. Não tenho o dinheiro da pensão, nem como consegui-lo.

Fiquei, por segundos, sem ação. Recuperada, perguntei se poderia levá-lo sem acionar a Brigada Militar.  Ele disse: – Pra isso estou aqui. Peguei a chave do carro e ele me acompanhou. Era final de uma tarde gelada de inverno. No caminho, eu ia pensando no que ouvira dos agentes penitenciários há pouco tempo. Que estavam sem colchões sobrando. Fiquei pensando naquele homem dormindo no chão frio… Parei o carro e retornei. Ele me perguntou: O que houve? Disse-lhe: – Você já vai saber. Estacionei em frente à sua casa, buzinei e pedi para a esposa dele trazer um colchão.

De volta ao Presídio, ao entregá-lo aos agentes, avisei que o colchão dele estava no meu porta-malas. Foi algo arriscado, imprudente, mas a apresentação espontânea dele me deu confiança. Aquela noite, quando fui deitar, senti um pequeno alívio, por saber que o “meu preso” não estava dormindo no chão úmido e frio.

 


Esse texto faz parte da campanha da ABOJERIS “Histórias de Oficialas de Justiça”. Para contar sua história e conhecer todas as demais, clique em no link abaixo. Compartilhe essa ideia e envie sua história!

HISTÓRIAS DE OFICIALAS DE JUSTIÇA

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