Pejotização: O impacto de uma decisão que ameaça os direitos trabalhistas e a economia

Imagem: G1

Em 14 de abril de 2025 o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou a suspensão, em todo o Brasil, de processos que envolvam a legalidade da contratação de trabalhadores autônomos ou de pessoas jurídicas para a prestação de serviços. A prática, popularmente conhecida como “pejotização”, ocorre quando um trabalhador é contratado para prestar serviços, mas, em vez de firmar um contrato de trabalho formal (CLT), cria uma empresa (pessoa jurídica) para receber os pagamentos. 

A decisão do STF causou estranhamento aos advogados da Associação Brasileira da Advocacia Trabalhista (Abrat), visto que o processo que motivou a suspensão de todas as ações sobre pejotização, já tinha sido indeferido pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST). Essa medida, segundo especialistas e entidades do setor, pode trazer consequências devastadoras para os direitos dos trabalhadores, prejudicar o combate ao trabalho escravo, dificultar a inclusão de pessoas com deficiência (PcD) no mercado de trabalho e gerar impactos financeiros significativos nas contas públicas, além de privar os trabalhadores de seus direitos mais básicos. 

No caso das mulheres, por exemplo, que já enfrentam desigualdade salarial, a pejotização as impedirá de ser beneficiadas pela Lei da Igualdade Salarial, que exige remuneração igual para homens e mulheres em funções equivalentes. Sem a carteira de trabalho assinada, não é possível auditar a diferença salarial entre gêneros, além de outros direitos, como a licença-maternidade, que também seriam negados.

Outro impacto grave da pejotização é quando empregadores são flagrados explorando trabalhadores em condições análogas à escravidão, a legislação exige o pagamento de indenizações trabalhistas, no entanto, ao recorrer à pejotização, esses empregadores podem alegar que o “contrato” foi realizado de forma verbal e não com um vínculo formal, o que dificulta a responsabilização. Esse tipo de contratualização fraudulenta cria um vácuo legal e jurídico que impede que a exploração de trabalhadores seja adequadamente combatida.

A legislação brasileira exige que empresas com mais de 100 empregados preencham uma cota mínima de vagas com pessoas com deficiência, variando de 2% a 5%, dependendo do porte da empresa. Contudo, sem o registro formal de contratos, as empresas poderiam driblar essa exigência e reduzir significativamente o número de vagas destinadas a essa parcela da população, ampliando as desigualdades de acesso ao trabalho. Outro aspecto preocupante da decisão do STF é que a pejotização pode fazer com que os casos relacionados ao reconhecimento de vínculo de trabalho sejam julgados pela Justiça Comum, em vez da Justiça do Trabalho, que tem a expertise necessária para tratar desses assuntos

O efeito da pejotização nas finanças do país também não pode ser ignorado, visto que sem o registro formal dos contratos de trabalho, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), a arrecadação para a Previdência Social e outros tributos essenciais para a manutenção do sistema econômico seriam gravemente comprometidos. Esses fundos são fundamentais para a sustentação das políticas públicas de saúde, educação e aposentadoria, além de desempenharem um papel importante na garantia da seguridade social.

Frente a gravidade dessa situação, a Associação Brasileira da Advocacia Trabalhista (Abrat) criou a Mobilização Nacional em Defesa da Justiça do Trabalho, que conta com o apoio de diversas entidades, como a Anamatra e a ANPT. A mobilização visa alertar a sociedade sobre os perigos da pejotização e sua ameaça à classe trabalhadora. De acordo com a presidente da Abrat, Elise Correia, os trabalhadores não terão mais 13º salário, FGTS ou seguro-desemprego. E o impacto não será para daqui a 10 anos, mas para daqui a dois ou três anos, afetando diretamente a economia. As centrais sindicais, como a CUT, também se somaram a essa luta, destacando os prejuízos que essa decisão pode causar aos trabalhadores em um futuro próximo.

O Ministério Público do Trabalho (MPT) alertou ainda para o aumento expressivo da pejotização nos últimos anos. Apenas no campo dos Microempreendedores Individuais (MEIs), o número de registros saltou de 11,3 milhões em 2020 para 14,8 milhões em 2022, um aumento de mais de 3,5 milhões em apenas dois anos. Isso evidencia uma tendência de precarização das relações de trabalho, onde mais trabalhadores são formalmente tratados como “autônomos” ou “prestadores de serviços”, mas na prática se veem sem qualquer proteção legal. Kalil, do MPT, comparou o impacto da pejotização irrestrita à Reforma Trabalhista de 2017, que também restringiu direitos trabalhistas, mas ainda mantinha alguns parâmetros para proteção dos trabalhadores. Para ele, a atual situação é ainda mais grave, pois o direito do trabalho pode se tornar facultativo, comprometendo de vez a proteção dos trabalhadores.

Em resposta, a Abrat está mobilizando esforços para ser ouvida no STF, e está dialogando com diversos atores políticos e jurídicos, incluindo ministros e parlamentares, para buscar alternativas legislativas que possam reverter essa situação. A associação também busca garantir que os processos relacionados a vínculos de trabalho sejam julgados exclusivamente pela Justiça do Trabalho, e não pela Justiça Comum. Por sua vez, o MPT está acompanhando as discussões e participando de reuniões, além de estar conversando com a Procuradoria Geral da República, que o representa no Supremo Tribunal Federal, com parlamentares. Com informações de Central Unica dos Trabalhadores e Portal TRT11.

Para a Abojeris, a decisão do STF de suspender a tramitação desse processo representa um retrocesso sobre os direitos trabalhistas, com efeitos nocivos não apenas para os trabalhadores, mas também para a economia do país e para a própria Justiça do Trabalho. O futuro do trabalho no Brasil está em jogo, e a luta por sua proteção deve ser a maior prioridade.

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