TJRS afasta estagiários por vazamento de dados a criminosos
Vazamentos de dados sigilosos expõem fragilidade na segurança jurídica
Uma chocante operação policial desmantelou uma rede de estagiários e servidores públicos da Justiça do Rio Grande do Sul, acusados de vazar informações sigilosas de processos ligados ao tráfico de drogas. As revelações, trazidas à tona pelo programa Fantástico da Globo, põem em xeque a eficácia dos procedimentos de segurança no sistema judiciário do estado.
De acordo com a delegada Fernanda Amorim, os envolvidos recebiam informações detalhadas sobre a execução de mandados, alvos e locais de busca e apreensão. A gravidade do vazamento era diretamente proporcional ao valor cobrado pelos estagiários (que giravam em torno de 2 mil a 5 mil reais), uma situação que levanta questionamentos sobre a estrutura de contratação e supervisão desses profissionais.
A facção criminosa envolvida nas investigações, responsável pelo tráfico de drogas no condomínio Princesa Isabel, conhecido popularmente como ‘Carandiru’, em Porto Alegre, teria se beneficiado diretamente dos vazamentos, conseguindo retirar material ilícito do local antes das investidas policiais. Essa infiltração de informações minou operações em diversas cidades, inclusive em Santa Maria, onde a falta de prisões evidencia a gravidade do problema.
A participação de estagiários em vazamentos desse porte levanta sérias questões sobre o treinamento, supervisão e acesso a dados sensíveis no âmbito da Justiça. Como explica o desembargador Antônio Vinícius Amaro da Silveira, o uso irregular de senhas de profissionais com maior acesso é uma prática inadmissível. No entanto, a falta de recursos humanos adequados pode estar criando um ambiente propício para tais deslizes.
ESTAGIÁRIOS AFASTADOS
O Tribunal de Justiça já afastou 14 estagiários e está investigando o uso indevido das senhas de outros 7 servidores. As implicações legais para os envolvidos incluem acusações de violação de sigilo funcional e associação criminosa, podendo resultar em penas que chegam a sete anos de prisão.
Esse episódio expõe uma problemática maior no sistema judiciário do Rio Grande do Sul: a priorização de mão de obra barata em detrimento de profissionais concursados. A alta demanda e a escassez de recursos humanos parecem estar impulsionando a crescente utilização de estagiários, muitas vezes sem a devida supervisão.
Atualmente o judiciário estadual conta com cerca de 4.519 estagiários e 8.151 servidores efetivos, concursados; em um contexto de 165 comarcas no estado, contamos com aproximadamente 87 Assistentes Sociais. Diversas comarcas não possuem nenhum profissional dessa área extremamente sensível às demandas mais delicadas da sociedade, como as ações que envolvem família, infância e juventude. Em muitas ações o judiciário precisa nomear peritos terceirizados para fazer esse trabalho que, em geral deixa a desejar no que diz respeito à qualidade técnica;
Por outro lado, dezenas de comarcas possuem convênios com municípios que cedem servidores para desempenharem as funções de Oficiais de Justiça “ad hoc”, nomeados sem concurso público para cumprirem mandados judiciais nas ações de execução fiscal da Fazenda Municipal. Essa prática permanente ao longo dos anos, afronta a Constituição Federal e o entendimento dos tribunais superiores.
Além da falta de capacidade e conhecimento desses funcionários para desempenharem essas funções, em muitos casos as questões e interesses políticos e partidários contribuem para baixar a qualidade e efetividade do serviço prestado à população. Em algumas comarcas o volume de trabalho está atrasado há meses, acumulado em centenas e milhares de mandados pendentes de cumprimento, causando prejuízo ao erário público e a população que por falta dos recursos não arrecadados sofre com a falta de políticas públicas e atendimento nas áreas mais sensíveis como saúde e educação.
POSIÇÃO DA ASSOCIAÇÃO
Para a direção da ABOJERIS esses fatos noticiados no programa Fantástico da Rede Globo, no último domingo (29), tem relação direta com a falta de preparo, qualificação e compromisso com o serviço público prestado à população. Não podemos confundir o papel que cada um desempenha nesse contexto: Servidor público concursado, treinado, capacitado e comprometido com a função que exerce e um estagiário ou terceirizado que não possui o mesmo preparo e responsabilidade com a prestação do serviço. Sem falar que, em muitas situações o estagiário ou terceirizado é utilizado tão somente como mão de obra barata e precarizada para substituir funcionários de carreira.
O judiciário muitas vezes é a última porta que as pessoas buscam para resolver as suas demandas e garantir os seus direitos. Não pode deixar margem para descredibilizar o seu papel institucional perante a sociedade. Nesse sentido, não pode abrir mão da realização de concursos públicos sérios e qualificados para selecionar os seus trabalhadores que deverão ser bem remunerados para a cobrança e exigência de um serviço público de excelência à população.
NÃO AO PL 494/2023
Este escândalo de vazamento de informações sigilosas expõe uma vulnerabilidade sistêmica que não pode ser ignorada. A investigação de estagiários e servidores públicos da Justiça do RS levanta questões profundas sobre a segurança e integridade do sistema judiciário. Neste contexto, o Projeto de Lei 494/2023, que propõe a extinção e criação de cargos no Quadro de Pessoal do Poder Judiciário do Estado do Rio Grande do Sul, merece uma análise crítica. Ao mesmo tempo em que se busca aprimorar a estrutura do judiciário, é vital considerar a alocação de recursos e a valorização dos profissionais.
A extinção de cargos e a criação de vagas sem o devido critério podem criar um desequilíbrio entre o número de profissionais e a demanda existente, potencialmente incentivando a dependência de mão de obra barata em detrimento de profissionais plenamente qualificados. Esta situação não apenas prejudica a eficácia da Justiça, como também mina a confiança da população no sistema judiciário do Rio Grande do Sul.
A ABOJERIS, Associação de Oficiais de Justiça do Rio Grande do Sul, expressa sua preocupação com a atual dinâmica de trabalho no sistema judiciário, enfatizando a importância de investir em profissionais qualificados para garantir a segurança jurídica e a eficácia das operações. É essencial que sejam implementadas medidas rigorosas de supervisão e treinamento, visando evitar futuros incidentes como este.